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  • Writer's pictureAna Paula Maciel Vilela

Amanhecer


Imagem do autor

Pintura de Maria Lúcia Mendes Abrão




O orvalho sobre a grama molha minhas botas enquanto me aproximo da casa.

Ouço o cantar do galo e vislumbro ao fundo o pomar com pés de jabuticabas, goiabas, cajus, mexericas, limões, mangas e abacates. O pé de maracujá azedo, apoiado na cerca, segue até perto do bambuzal com suas flores lindas que atraem abelhas e insetos.

Do lado direito, banhado pelo sol da manhã, o bananal faz vizinhança com a horta repleta de todo tipo de hortaliças e legumes, para uso próprio e para distribuir para a vizinhança, fazendo um escambo bom e diversificando a alimentação.

Margeando a entrada da casinha branca com suas janelas azuis, uma profusão de flores coloridas e,

ao entrar na sala, o piso de vermelhão brilha, vejo almofadas bordadas e de crochê sobre o pequeno sofá e uma estante com os livros prediletos, uma vitrola e enfeites. Nas laterais, dois pequenos quartos com camas de casal e, em um deles, uma de solteiro. Guarda roupas, assim como as camas, de madeira robusta, de outros tempos, com um espelho oval enfeitando a porta. Colchas coloridas, de retalhos, cobrem todas as camas e sobre a mesinha de cabeceira, um porta-retratos.

No único banheiro, a banheira, branca como as outras peças e um armário que acomoda toalhas, tapetes e roupa de cama dividem espaço com itens de higiene pessoal.

A janela grande coberta por uma fina cortina de renda mostra o riacho que passa em uma curva suave por ali e viaja adiante.

A cozinha, o maior cômodo, cheira a pão saído do forno e chá de capim santo. O fogão à lenha não deixa o fogo apagar e, crepitando de mansinho, a madeira cheirosa espalha acolhimento em todo canto. O guarda-comidas vindo também de algum tempo longínquo, abriga livros de receitas, pratos, xícaras e copos e suas prateleiras são cobertas por forros rendados que, pendurados, enfeitam e deixam mais charmosa a peça.

No centro, a mesa retangular recebe uma jarra de vidro com folhas de funcho e está posta com o café da manhã enquanto o bule vermelho descansa sobre o fogão à lenha garantindo que fique quente por toda a manhã.

A porta que leva ao quintal mostra a área da lavanderia com tanque, uma espaçosa pia e uma pequena mesa onde vários utensílios secam ao sol cobertos por uma tela fina.

Logo à frente surgem em festa galos e galinhas passeando livres pelo pomar cercado por grossa cerca de arame. O galinheiro ao fundo serve de abrigo seguro durante à noite.

A vista dá para a serra que emoldura a paisagem.

É para esse lugar onde vou todas as manhãs quando acordo.

Passeio pelo gramado atraída pelos aromas e entro pela porta da frente habitando todo o espaço. Vejo, ouço, sinto na minha pele o privilégio de estar ali, sinto o calor do sol e, devagar, muito devagar saio pelo quintal, rodeio o pomar e passo pelo pequeno pasto com algumas vacas e cavalos antes de abrir a porteira e voltar para minha cama.

Suspiro ao olhar para o quadro pintado por uma pessoa querida que retrata tudo o que me é tão caro e possibilita a minha viagem matinal e estou pronta para começar o dia valorizando o simples, a natureza com sua gama de infinitas belezas, as pequenas coisas que me fortalecem para ser quem sou, para prosseguir, para resistir e prezar a vida. Prezar o fato de estar viva e ser feliz, hoje, neste instante.


Texto publicado como antologia no ebook: “A Força das Pequenas Coisas” produzido por Jiddu Saldanha. Faz parte do Clube de Leitura da Casa Amarela coordenado por Roseana Murray. Leia este e outros ebooks no site www.roseanamurray.com


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