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  • Writer's pictureAna Paula Maciel Vilela

Maionese




Imagem site receitas Tudo Gostoso


Com o canto dos olhos olhou para mim e para o prato. Nada compreendi.

Olhou pela segunda vez arqueando a sobrancelha e apontando com o garfo para o pedaço de vidro. Aí sim, arregalei meus olhos, em silêncio.

Os almoços aconteciam vez ou outra na casa da avó que preparava o mesmo cardápio sempre, e sozinha, para os filhos e netos jovens com as namoradas. Era arroz branco soltinho, carne de porco assada, nhoque e maionese. Era muita gente. E neste dia ficava explícito que o vidro de maionese havia lhe escapado das mãos. Um pedaço considerável estava no prato dele. E o restante? Como avisar os primos e o restante da família sem criar alvoroço e magoar a avó? Enquanto raciocinava o telefone tocou e era a irmã da avó que residia em outra cidade e foi um corre-corre para cozinha para descartar em um saco plástico o restante da maionese que foi parar dentro da minha bolsa.

No final a avó ficou muito feliz, nunca a maionese acabara tão rápido, sinal de que acertara a mão.

Anos depois preparei o prato para minha filha e genro que residiam fora do Brasil e que, quando nos visitavam, para agradar, eu buscava fazer as receitas prediletas. Temperava com um pouquinho de limão, sal aromatizado com muitas ervas que eu mesma preparava e um toque de mostarda. Neste dia eu caprichara mais e achei tudo perfeito até que ele puxou um fio de cabelo comprido do meio do seu prato. Fui diminuindo até querer desaparecer. Tinha que ser justo no prato dele?? Por que não foi no meu? Minha paranoia depois disso foi de cair cabelo na comida. Balanço a roupa, cubro os cabelos, coloco avental e peço uma revista completa para quem estiver próximo.

Quando mais jovem, houve a época em que fraturava dentes e quebrava restauraçõescom frequencia até descobrir que tinha bruxismo e fazia apertamento dos dentes. E nesta época nem tinha tantos motivos para tal grau de ansiedade. Nessas ocasiões, sempre à mesa e com os filhos pequenos, se eu parava de conversar de repente ou colocava a mão na boca as crianças gritavam alarmadas: O dente! E sempre era mesmo uma fatalidade do tipo que me custava várias idas e vindas ao consultório odontológico além do gasto financeiro.

Naquele domingo preparei tudo logo cedo para ter tempo suficiente para o prato ser resfriado antes do almoço. Batatas, cenouras, vagens, ervilhas, ovos, tomates cerejas e alface para adornar a travessa. Tudo perfeito, avental e touca na cabeça para garantir toda limpeza possível. Com o uso da placa para dormir, yoga, meditação, terapia, atividade física em dia e hobby sendo executado, há algum tempo já não acontecia episódios catastróficos dentro da minha boca. A leveza e disposição imperavam.

Alguns aperitivos com cervejas geladas depois, era hora de servir o almoço.

A maionese no centro da mesa e a salada de folhas acompanhando. Tudo reinava em absoluta tranquilidade quando, de repente, levei as duas mãos ao rosto e fechei os olhos sem deixar de ver a fisionomia de interrogação e espanto do marido e filhos que, em câmera lenta, diminuíram o ritmo das próprias mastigações.

Ouvi: O dente!!

Com cuidado separei dentro da boca um material duro que me fazia imaginar o que seria daquela vez, de que lado, pedaço de dente, restauração?

Apanhei a peça e abri os olhos tentando identificar o formato escuro que segurava. Seria aquilo amálgama? Será que naquela altura da vida ainda existia algum amálgama na minha boca?

Qual não foi minha surpresa e a do resto da família quando identifiquei o estranho objeto enquanto o fitava sobre o prato branco e levava as mãos nas orelhas.

O que jazia ali era a tarraxa de um dos meus brincos!

O brinco permanecia suspenso na orelha por milagre há horas naquele vai e vem que precede a hora do almoço.

Era a tarraxa escura do meu brinco que rendeu muita risada e espanto. Salvei meus dentes dessa vez. E o bolso. E aprendi que para preparar almoço além de avental e touca, melhor não usar brincos.




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