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  • Writer's pictureAna Paula Maciel Vilela

Na Penumbra


Imagem Fazenda Largo dos Baús pela autora



É manhã de domingo em uma cidade que pouco conheço, avisto da janela do quarto, a praça. Um hábito muito agradável é conhecer as praças em cidades que visito. Saio para a manhã luminosa e ainda fresca.

Grande e arborizada com canteiros de flores e folhagens, em seu chafariz, algumas rãs distraem crianças e idosos e, no coreto, um grupo de jovens ensaiam uma peça. Há muito não me deparo com uma praça tão bem cuidada!

Faço o contorno e me aproximo de uma escola onde vislumbro a árvore frondosa e carregada de flores amarelas, uma espécie pingo de ouro que me faz lembrar da infância e da casa dos avós maternos. Em meio às minhas memórias, ouço as galinhas d’Angola e as vejo em um gramado no canto direito do pátio. São muitas e, uma vez mais, viajo no tempo, estou no sítio e contemplo a alegria do meu pai com suas galinhas d’Angola e seu canto característico que, juntas, o recebem na porteira quando buzina. Tempo em que o corpo e a mente permitem seu ir e vir.

Uma sensação pesada me atravessa em tempos esses que não permitem que haja mais passeios no sítio, caminhadas com as barras das calças dobradas para não sujarem, regas em suas inúmeras plantas, verter água na bacia para no final do dia se regozijar admirando os pássaros se banharem. Sanhaços, bem-te-vis, pássaros pretos, joões-de-barro, sabiás, anus, araras...

Não há música na vitrola, cochilos na rede, poda nas plantas, procura por ovos no pasto, a conversa com uma ou outra vaca na cerca que margeia a casa, cesto com limões, bananas e laranjas para levar para a cidade. Não há mais o suspiro e admiração ao contemplar o pôr-do-sol e, na varanda receber a noite com os besouros voando e se chocando na lâmpada do poste que clareia o gramado e a frente da casinha.

A luminosidade daqueles dias deu lugar a um céu nublado, às vezes escuro, mas que, como toda natureza, se transforma, se reinventa e segue seu curso.

Hoje, assentado na sacada do apartamento, meu pai observa urubus, gaviões e algumas pombas que habitam os blocos abandonados pela construtora falida e, às vezes, um tucano surge para comer os frutos da embaúba próxima somente para encher seu coração de alegria e, quem sabe, possibilitar a ele esse passeio, um devaneio que o faz sorrir enquanto sente a brisa suave da tarde.


Crônica publicada na Antologia Luz e Sombra do Clube de Leitura da Casa Amarela

Você encontra no site da escritora Roseana Murray

www.roseanamurray.com



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