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  • Writer's pictureAna Paula Maciel Vilela

O Vendedor Ambulante


Imagem Unsplash por Swarnavo Chakrabarti



A fome grita pela boca do vendedor de picolés.

Diariamente ele passa pela minha rua.

Antes da pandemia havia uma moça que cantarolava para vender os picolés. A voz dela era linda, afinada e ela segurava a sílaba em determinado ponto da entonação e já era conhecida, propiciava algo bom na gente ouvir sua voz. Pessoas no bairro já comentavam a respeito dela.

Não sei o que houve. Sua voz já não se faz ouvir por aqui. Prefiro pensar que um professor de música certo dia ouviu sua voz e a levou para fazer um teste no conservatório e todos viram que ela é uma artista que vendia picolés e agora trabalha gravando músicas, desabrochou e seu talento coloca comida boa e farta na mesa da sua família.

Atualmente passa um rapaz vendendo picolés, faça chuva, sol, calor ou frio, ele sobe e desce a rua, passa em toda vizinhança ressoando seu mantra, seu jeito de anunciar que chama a atenção de outra maneira. Não é bela a sua voz. Não será descoberto pelo professor de música e não terá a sorte da moça que passava antes da pandemia. Mas o mantra é recitado diariamente. Às vezes penso em comprar picolé porque imagino que talvez não vendeu nada até aquela hora que passa sobre as flores do ipê amarelo que colorem o asfalto. Se eu comprar talvez dê a ele um pouquinho de esperança...

Nestes tempos tão cruéis e de tamanho egocentrismo, ouço as vozes que anunciam picolés, água, balas, algodões doces, chocolates, vassouras e o que mais conseguirem vender. Carrego moedas no carro, ajudo quem posso com a ilusão de que estou fazendo algo bom. Moedas não bastam.

Sigo ouvindo a voz da fome. Da sede. Do desespero.

Diariamente.


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