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  • Writer's pictureAna Paula Maciel Vilela

Reviravolta


Imagem Unsplash por Mehdi Sepehri




“Quando eu abri os olhos pela manhã, não poderia supor que meu dia seria tão diferente dos outros”.

O som da rua movimentada invadia o quarto enquanto eu espreguiçava uma vez mais e me assentava na cama.

Preparei o café observando pela janela minha vizinha conversando com o cão enquanto regava suas plantas. Tudo agradável e corriqueiro como em outras manhãs.

Fechei a porta da sala enquanto batia as mãos em meus cabelos úmidos para que o gesto ajudasse a secá-los um pouco mais. Caminhei para o ponto de ônibus devagar pois ainda dispunha de tempo suficiente para o compromisso: a leitura do testamento do meu padrinho. A convivência com sua família havia sido próxima na infância, morávamos na mesma rua, íamos juntos passar férias na fazenda e meus bolos de aniversário eram confeccionados por ela, a quem me referia como tia. Eram tios de meu pai. Durante a adolescência e vida adulta, morando em outras cidades, os visitava sempre que estava nas férias, eles já morando sem os filhos por perto.

A convocação para estar presente chegou no final de uma semana exaustiva na qual havia passado por algumas entrevistas de emprego e achei inusitado e com um toque de mistério despertando em mim a curiosidade.

Na recepção procurei o rosto da filha com quem eu tinha mais contato em meio aos olhares que se dirigiam a mim. Apenas seis pessoas foram chamadas para a leitura no escritório; o filho mais velho, a filha, o neto, a empregada doméstica, o jardineiro e eu. Tumulto e vozes alteradas foram silenciadas quando a porta se fechou.

Após cerca de uma hora de reunião e assinaturas recolhidas, deixei o prédio cambaleando. Entrei em um táxi e fechei meus olhos com as palavras do advogado ressoando em minha mente.

Olhei pela janela. Sorri.



Crônica publicada na Coletânea de Cronistas Contemporâneos 2023 da Editora Persona


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